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A Mentira da Privatização

publicado em 24 de outubro de 2017 - Por Pedro Marcelo Galasso

São tantos os escândalos que tomam conta dos noticiários que a questão da privatização de setores econômicos importantes e estratégicos controlados pelo governo fica em segundo plano e, o que é pior, se apresenta como a solução para nossos problemas econômicos e políticos o que, por sua vez, é uma mentira.


Antes de pensar sobre a quantidade de dinheiro encontrado em um apartamento, cuja posse é de um político que tem uma série de acusações a mais de 30 anos, é necessário refletir sobre o significado profundo do que é a privatização.

A privatização de setores econômicos e estratégicos geridos pelo Estado é parte de um modelo de Estado adotado no final da década de 70, do século XX, quando o chamado EBES, Estado de Bem-Estar Social, apresentou seu limite de operação e de funcionamento o que levou aos governos de alguns países, como os EUA e a Inglaterra, os países paradigmáticos desta mudança, a abandonarem o severo intervencionismo econômico e implementassem um programa de privatizações dos mais variados setores controlados pelo Estado. No entanto, estes países apresentavam condições materiais, sociais e econômicas para que tal mudança ocorresse, ainda que os seus efeitos nefastos sejam sentidos até hoje, de forma mais ordenada, ou seja, existiam condições objetivas para a mudança da política de Estado que as privatizações mais “responsáveis” fossem realizadas.

Outros países mantiveram a estrutura do EBES e alcançaram altos níveis de desenvolvimento econômico e altíssimos padrões de vida, mesmo sob as mais severas condições geográficas, como a

Noruega e a Suécia, com altos índices educacionais e uma drástica redução nos índices de criminalidade em uma associação entre melhora no padrão de vida e de educação, fazendo com que inúmeros presídios fossem fechados nos últimos anos por conta da falta de presos. Não são paraísos na Terra, enfrentam alguns problemas, mas são capazes de resolvê-los de maneira eficiente.

Além disso, possuem os políticos mais eficientes e baratos de todo o mundo, onde a corrupção é virtualmente inexistente. Isso sem contar o Canadá que adota um sistema misto, com intervencionismo e a manutenção do EBES em áreas consideradas fundamentais, como a Educação.

É fácil perceber que os cenários acima são profundamente distantes daquilo que assistimos no Brasil. O desmonte do Estado intervencionista, iniciado no governo Collor, é perverso por se aplicar em uma sociedade que nem de longe possui a justiça social e a correção econômica que permitam aos seus cidadãos atravessarem esta mudança sem um custo social e humanitário altíssimo. Não temos as condições objetivas para que as privatizações, realizadas sem estudos e sob a influência de setores econômicos privados que, comprovadamente, compram partidos políticos e seus políticos para a aprovação de medidas que os beneficiam em detrimento do abandono de milhões de pessoas lançadas a própria sorte sem nenhum controle sobre o que lhes espera.

O projeto perverso de privatização é realizado para que alguns grupos e algumas empresas se apropriem do patrimônio público que, no Brasil, não funciona por culpa dos diversos governos e grupos políticos que veem o Estado como um elemento de enriquecimento ilícito e cuja lógica é pervertida ao custo da morte e da miséria de milhões de pessoas.

Para comprovar a mentira da privatização, bastam algumas perguntas, com respostas mais que óbvias – o quanto em dados oficiais as privatizações já realizadas aliviaram o orçamento público? O quanto em dados oficiais a suposta economia do Estado foi revertida em melhorias para a população? O quanto em dados oficiais as privatizações tornaram o Estado mais eficiente? O quanto em dados oficiais a redução do Estado significou numa maior agilidade para a resolução de questões sociais e econômicas que nos afligem? O quanto em dados oficiais as privatizações melhoram de fato os serviços que se tornaram privados? O quanto em dados oficiais do dinheiro adquirido pelo Estado ao longo das privatizações foi destinado para o serviço público e não desviado em forma de corrupção para apartamentos e afins?

A privatização realizada no Brasil é tão mentirosa, ineficiente e corrupta como a nossa classe política e a nossa sociedade civil que aplaude a tudo isso e a defende, além de praticá-la, como um mal necessário.

Pedro Marcelo Galasso – cientista político, professor e escritor. E-mail: p.m.galasso@gmail.com