Colunistas

A vergonha e a desconfiança

publicado em 4 de setembro de 2017 - Por Pedro Marcelo Galasso

O que pensar ou dizer? Como entender ou aceitar o que a dita Justiça brasileira fez, na última semana?

Como justificar ou explicar, diante das regras do bom senso ou do Bem Comum, características enterradas e, por isso, distante das instâncias maiores da Justiça, as ações tomadas em suas salas? Como dizer a uma pessoa honesta que a Justiça brasileira é confiável?
Diante de questões cujas respostas já conhecemos, retornamos ao velho debate entre a legitimidade e a legalidade. No entanto, desta vez, vale pensar somente a questão da legalidade. Em termos gerais, a legalidade significa tudo aquilo que as leis e a Constituição dizem ser aceitos no arranjo político e social para o funcionamento correto e seguro do Estado, mas sabemos que a distância entre o que é correto com relação ao que é legal é imensa e sempre, invariavelmente, favorece os estratos sociais mais poderosos, sejam os poderes econômico e/ou político em detrimento da maioria que não é dotada de poderes. Exemplos disso, são historicamente conhecidos e noticiados.
O Estado brasileiro ideal, aquele sonhado por muitos, aquele que aparece nas propagandas oficiais ou aquele que surge nas frases empoladas e rebuscadas de nossos magistrados, senhores dotados da mais alta sapiência, título que por si só já é de uma arrogância ímpar, usa de seus artifícios legais para praticar atos condenáveis do ponto de vista moral e que jogam no lixo a crença diante do espetáculo vazio e midiático das investigações com seus nomes infantis, dando a impressão de que a Justiça será feita no Brasil.
A pergunta Justiça para quem?, entretanto, permanece sem resposta clara. Na verdade, a nossa História, desde o Brasil colonial e os atos recentes da injusta e interesseira Justiça brasileira, mostra o que todos sabemos, ou seja, a Justiça no Brasil é um privilégio de classe, seja ela social, política ou econômica, coisa de amigos, de membros de famílias importantes e contando com a benevolência e não com as leis no trato com amigos e iguais. Segundo o ditado popular, o pau que bate em Chico não bate em Francisco.
Consequências desta postura vergonhosa e irresponsável são inúmeras, desde a certeza da impunidade para a classe política até a impossibilidade de defesa de um Estado democrático e de direito, pois a existência de duas Justiças, uma carregada de privilégios e de interesses e outra para as pessoas comuns e desamparadas, cria, por si só, a impossibilidade de construção de uma sociedade justa e honesta pela corrupção e inconsequência de quem deveria prezar pelo interesse público, ou seja, o Estado ideal, justo correto e abstrato, se contrapõe a um Estado real, tal qual ele é, ou seja, falso, injusto e mentiroso.
O mais assustador é imaginar que algumas pessoas creem no espetáculo das investigações em curso e que se esquecem do caráter protetor da Justiça frente as amizades políticas ou aos interesses partidários. Réus e ministros, juízes e procuradores, políticos e empresários são amigos, companheiros, iguais. Como ficam, nestes casos, a imparcialidade e a aclamada objetividade do Direito? Como ficam isentos aqueles que julgam e seus réus?
Na verdade, como ficamos nós que assistimos a tudo sem poder fazermos nada?
Esperamos que o Estado cumpra o Bem Comum, razão maior de sua existência, e vemos que o Estado brasileiro usa a autoridade, o poder e a força que lhe damos em nome de uma minoria de privilegiados, acima das leis e de todos nós, impondo sua autoridade, seu direito de mandar e dirigir, e seu poder e força obrigando-nos a aceitar e acatar decisões injustas sem possibilidade de reação ou de resposta.
Tal qual escreveu Aristides Lobo, “assistimos a tudo bestializados”.

Pedro Marcelo Galasso – cientista político, professor e escritor. E-mail: p.m.galasso@gmail.com