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Perguntas e vergonha

publicado em 4 de setembro de 2017 - Por Pedro Marcelo Galasso

Desde as primeiras denúncias contra a ex-presidente Dilma, se desenhava um cenário político assustador e imaginável, pois a aliança para a reeleição da ex-presidente unia o PT e o PMDB de uma forma tão fisiológica e oportuna para os dois partidos que as diferenças e as más ações de ambos, com seu pseudoconcorrente PSDB, deixava o horizonte nebuloso.


No entanto, a aliança foi mantida e a reeleição acabou por ocorrer, após a alma da eleição ter sido vendida ao diabo, representado pelos grupos políticos que selaram a aliança que, por sua vez, foi bem mascarada por toda a propaganda produzida e que custou mais de 160 milhões de reais cujas fontes foram identificadas a pouco tempo com as gravações que mostram de maneira explícita o grau de corrupção que toma conta da Política brasileira.
Como o desfecho de tal aliança é conhecido por todos sabe-se que foi acompanhado de um show de horrores e de atos ignorantes e violentos de pessoas que foram engolidas, algumas conscientes, outras não, pela velocidade do processo, conduzido por parlamentares corruptos que mostraram e mostram isso com os pesos e as medidas utilizadas para Dilma e para Temer.
O governo Dilma era ruim, corrupto e deveria acabar, mas ao ser substituído pelo governo Temer manteve e ampliou o que havia de pior e o diabo, esquecido por muitos, voltou e reclamou pela sua parte, condenado a todos nós a décadas de mazelas e dificuldades já que as ações de hoje terão consequências nefastas por um longo tempo.
Aqui, as questões se complicam e ficam mais claras, por estranho que possa parecer. Houve um processo de seleção de acusações e de práticas corruptivas, ou seja, o que valeu para o afastamento justo e correto da ex-presidente não vale para o atual presidente. Fato complicado para explicado pela lógica e pelo bom senso, mas claramente explicado pela lógica do dinheiro público.
Temer liberou, no espaço de um mês, quase três bilhões de recursos públicos voltados para as famosas e inúteis emendas parlamentares, um mecanismo legal e oficial da República, mas que foi usado de forma politiqueira para que as acusações contra o presidente fossem arquivadas. Deu certo, as acusações foram arquivadas, mas a que preço? Quem se beneficiou com essa liberação? Sabemos que um terço do que foi liberado será aplicado no seu propósito inicial. Sabemos que os parlamentares foram estimulados pelo governo federal, que prega a falácia da Ordem e do Progresso, a votar pelo arquivamento de acusações seríssimas. O quão longe estava determinado a chegar o governo federal ao liberar um valor tão alto de emendas parlamentares usadas como moeda de barganha política? Quais seriam os desdobramentos de tais acusações? Caberia a um Congresso Nacional julgar ações contra a corrupção quando ele próprio é, notoriamente, acusado e agente de corrupção?
O preço da conta foi mais alto. Ao comprar o apoio da poderosa bancada ruralista, Temer permitiu a retomada maciça do desmatamento de áreas protegidas, como a borda sul da Floresta Amazônica, lhes garantiu novos investimentos e o parcelamento de dívidas inimagináveis de grandes fazendeiros em até catorze anos e oito meses.
Preço alto a ser pago para a manutenção de um governo que nem de longe cumpriu suas “promessas” de crescimento econômico e de estabilidade política. Até mesmo setores sociais que apoiavam o novo governo foram atropelados pelas medidas recessivas e equivocadas do ministro da Fazenda que têm aumentado a crise e a recessão econômica, nos colocando no cenário de estagnoflação econômica.
Difícil entender como chegamos a um ponto tão baixo que compromete o futuro de gerações de brasileiros, que piora a vida de milhões de pessoas, que realiza reformas que favorecem somente os setores mais ricos, que aumenta nossa incerteza, que aumenta a violência e a carência de muitos e que nos cobre de vergonha.

Pedro Marcelo Galasso – cientista político, professor e escritor. E-mail: p.m.galasso@gmail.com