Comportamento

“Plus Size”

publicado em 20 de abril de 2018 - Por Natália Cancian / Folhapres

Na contramão da onda fitness, aceitação das gordurinhas vira tema de filme e de iniciativas no Brasil e no exterior

Como ter um corpo ideal para ir à praia?

1) Tenha um corpo.

2) Vá para a praia.

A frase, que ficou conhecida nas redes sociais ao satirizar antigos “conselhos” disseminados em revistas femininas, é um dos exemplos de um debate que tem ganhado força em páginas e grupos na internet –e sobretudo em frente ao espelho.

Na contramão da onda fitness, ganham força movimentos contra a imposição de padrões estéticos e de peso e em prol da aceitação do próprio corpo.

Em outros países, a proposta é chamada de “body positive” (corpo positivo, positividade corporal) ou “body neutrality” (neutralidade corporal).

No Brasil, no entanto, a discussão ainda é incipiente, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

O tema é pano de fundo do documentário “Embrace”, encontrado na plataforma Netflix, que narra a trajetória da ativista australiana Taryn Brumfitt, criadora do BIM (Movimento da Imagem Corporal, na sigla em inglês), e de outras mulheres em busca de uma relação de paz com a imagem no espelho.

“Pesquisas mostram que 92% das mulheres estão insatisfeitas com o corpo. Nós que estamos erradas ou é o mundo que ensinou assim?”, questiona Mariana Cyrne, 30, embaixadora do BIM no Brasil.

No ano passado, ela e quatro amigas criaram o blog Garotas FDP (Fora do Padrão) para falar de moda e visibilidade “plus size”. O começo, porém, foi desafiador.

O maior receio era tirar fotos que mostrassem o corpo todo ao mostrar as roupas.

“Descobrimos que podíamos tirar foto de corpo inteiro, e que gostávamos do que víamos”, diz ela, para quem é preciso incentivar as mulheres a olhar para si mesmas.

“Estamos tão acostumados a ver na mídia um corpo sarado ou pessoas supermagras que não conseguimos olhar direito no espelho. Precisamos olhar mais, até para nos acostumarmos a ver um corpo diferente do que vemos o tempo todo”, diz.

Desde que passou a integrar o time da cantora Anitta, a bailarina Thaís Carla, 25, tem sido apontada como exemplo de representatividade de mulheres gordas –que em geral eram deixadas de fora dos palcos.

“É bom para as pessoas enxergarem o outro lado. As pessoas confiam muito na estética, acham que tem que ser magrinha e ‘modelete’ para fazer as coisas”, afirma.

“Aceito meu corpo e gosto de mim. Não estou aqui para vender gordura ou meu corpo. Estou para vender o meu conceito. Você vai transparecer o que as pessoas querem ou o que você quer?”.

Para Joana Novaes, coordenadora do núcleo de doenças da beleza da PUC-Rio e autora do livro “Com que corpo eu vou?”, movimentos como o “body positive” surgem como resistência diante de uma sociedade lipofóbica (com aversão à gordura).

“É cada vez mais difícil achar alguém plenamente satisfeito com o próprio corpo”, diz a psicanalista, para quem a sociedade ainda impõe o corpo como instrumento de segregação de classe.

Ao mesmo tempo em que cresce a discussão, quem ousa quebrar os padrões também ouve críticas. A principal é a de “apologia à obesidade”. Para quem lida com o tema, porém, não se trata de conformismo –mas, sim, de ter mais foco em saúde do que na estética (em alguns casos, um escudo próprio contra o preconceito).
X-bacon

“Não é comer x-bacon como se não houvesse amanhã. Não é um movimento de negligência ou autoabandono. É buscar a saúde de uma maneira que seja compatível com a sua vida, e isso envolve alimentação equilibrada e atividades físicas”, diz a nutricionista comportamental Paola Altheia, autora do site Não Sou Exposição, no qual questiona dietas da moda e aborda os riscos da busca por padrões.

“Quando se fala em tratar obesidade, não é para ficar magro. Reduzir 10% do peso, em geral, já traz impacto positivo na saúde”, afirma a endocrinologista Cintia Cercato. “Ao se dizer que é preciso que as pessoas se cuidem, de forma alguma queremos acusar. Entendemos que a obesidade é uma doença complexa e a pessoa não é obesa porque quer.”

Segundo Altheia, a pressão excessiva por emagrecer pode levar a transtornos.

“Lido com pessoas que adoecem por tentar chegar a um padrão. Estamos tendo um ‘boom’ de doenças alimentares”, afirma. “Modificações externas não resolvem problemas internos. Não é mudando o peso que vai se aceitar.”

Também não é de uma hora para outra que a aceitação ocorre. Para muitas, nem é preciso, de fato, amar seu corpo: apenas não odiá-lo já é um bom caminho.

Na adolescência, numa tentativa de emagrecer, a brasiliese Vanessa Campos, 38, perdeu peso tão rapidamente que chegou a ser diagnosticada com princípio de anorexia.

Passou por dietas e pelo efeito rebote da maioria delas. Nos últimos anos, mudou sua relação com a comida. Hoje, reveza o trabalho e atividades como ioga, caminhada e pole dance com o BlogueiraFail, onde escreve sobre moda “plus size” e amor-próprio.

“Fui entendendo que a mudança não era corporal, mas de comportamento”, afirma ela, para quem o processo visa primeiro a saúde mental, e depois a do corpo. “Hoje, vejo meu corpo como o mapa das minhas escolhas.”

A ativista e embaixadora do Body image Movement (Movimento da imagem corporal) no Brasil, Mariana Cyrne. (Foto: Karime Xavier/Folhapress)